domingo, 17 de maio de 2009

Saudades de Gelmires!



Eu saía de Goiânia, andava, corria pelo asfalto interminável da euforia e chegava, adentrava por entre ruas e casas da velha Santa Luzia. No peito, a emoção de menino que ganhava presente de Natal. O velho tamboril, guardião do tempo e da memória, parecia me apontar a rua Sacratíssimo Sacramento, caminho para se chegar ao notável genearca, onde eu ia beber mais uma vez o néctar da sabedoria.
E chegava diante do velho casarão. Subia a pequena escadinha, batia à porta. Nas mãos um punhado de livros, às vezes a coleção do Matutina Meiapontense, as memórias de Silva e Souza, Cunha Matos, Alencastre, últimas publicações literárias de um projeto cultural em que me envolvi há muito tempo. E ele vinha, eu sentia os seus passos trôpegos pelos corredores da casa. Passos cadenciados, leves, poéticos. Parecia o caminhar da história no tapete branco da paz. Chegava diante de mim. Sorridente, olhos iluminados. Abraçava-me. Eu o apoiava para que pudesse assentar o seu corpo octogenário. E eu dizia, com emoção, que estava ali para trazer-lhe as últimas publicações de Goiânia.
Seus olhos iluminavam-se, pareciam chorar de contentes. Feliz com a minha presença ele dizia:
— É muita bondade sua lembrar de um homem que não tem nenhum valor. Seu coração é que é generoso demais. Que Deus o ilumine.
E eu voltava, saía de sua casa como quem sai do confessionário. O corpo leve, na cabeça, profundas lições de sabedoria e de humildade.
Meu caro Gelmires, eu sei que você está aqui, eu sinto sua presença, sou capaz de vê-lo pelos olhos de sua família e dos amigos aqui presentes, companheiros desta Academia que você fundou com muito amor. Eu vejo você, Gelmires, em todos os lugares por onde ando. Em todas as bibliotecas e arquivos. Você dizia que o pesquisador é um ajuntador de gravetos para o historiador fazer a fogueira! E quantos gravetos você reuniu para consolidar a nossa história! Você está nas universidades, nas academias, nos encontros culturais, na voz do jovem que se inicia na vida literária. Você está na imprensa, guardiã de toda a sua vida.
A cada dia você renasce mais nas páginas desta história que estamos construindo e da qual você é o grande condutor, genearca e timoneiro da grande caminhada. E por isso estou aqui, na sua Academia, emocionado, capaz de dizer que estou ouvindo seus passos pelos corredores, os chinelos deslizando pelo assoalho barroco, e você está chegando Gelmires! Nos olhos aquela mesma luminosidade, o corpo crescendo diante de nós, seus braços se abrindo e nas mãos a dimensão de toda ternura e humildade. E você adentra pela sala de nossos corações, adentra pela página desta história em que você é o personagem maior.
A bênção, meu caro Gelmires!

(Homenagem a Gelmires Reis, na Academia de Letras e Artes do Planalto, em Luziânia, no dia 15 de abril de 1984).